Perna

Perna disse,
Eu não vivo de aparências,
após tantas experiências ,
aqui ainda estou…

Perna disse,
É correto eu viver essa dor?
Nunca mais ver um amigo que trato com tanto amor,
ou o que dele ainda restou…

Perna disse,
Só faria isso ao meu filho ver nascer,
como posso não fazer,
se o outro quer morrer…

Perna disse,
Imagine a tristeza,
não vê com tanta clareza,
a dor que causou?

Radyja

E por lá andávamos a caminho da escola, passávamos todas as vezes pela velha casa, casa da qual morava um felino, com pelos pretos e brancos e olhos amarelos como o sol que iluminavam nossos dias, meu irmão corria rapidamente até a casa ao chegar à rua…
 O nome do felino… Radyja, sempre achava um nome estranho, porém simpático, me identificava bastante com isso… Todos os dias ela se encontrava no mesmo lugar… Esperava-nos, serena ao olhar a rua.
 Fiquei pensando comigo mesmo no dia em que meu irmão se fez ausente… E nunca mais voltou… O que ela pensara? Ela pensava? Que linha de raciocínio um animal pode seguir?
 Após meu irmão sofrer o erro médico, nunca mais passei pela mesma rua… Queria esquece-la para sempre.
 Engraçado… Hoje eu passei por ela… Após quatorze anos… Passei pela casa, na garagem agora havia um cachorro, mas o silencio da rua permanecia o mesmo, olhei fixamente em seus olhos, me afastei e sai andando… Foi quando escutei um felino miar, rouco, fraco… Quase  não se escutava o mesmo… Eu olhei para trás e lá estava ela, no mesmo lugar, seus olhos cor de sol, seus pelos contrastantes… Ela continuava linda… Não me aguentei, tirei uma foto e algumas lágrimas do meu rosto também…
 É estranho, eu mudara tanto com o tempo, mas ela continuara a mesma, o tempo nem lhe deixou marcas, quanto a mim, o tempo me marcara não só por fora quanto por dentro. Deve ser bom ser um animal, pensei, viver sem preocupações, resumir suas ambições em um simples pote de ração, não ser marcado pelo tempo… Não tanto quanto nós humanos.
 Eu gostaria de ser um animal, não um felino, mas uma ave. Testar a tal ‘’liberdade dos ares. ’’
Porém, existe uma semelhança entre mim e o felino, que pode ser boa ou ruim… O felino não possui preocupações ou ambições, ele apenas vive e apesar de possuir inúmeras preocupações, inúmeras ambições… Eu sou como o animal, eu apenas vivo.
 Hoje vivi essa lembrança, me desloquei do presente em alguns instantes… É engraçado, por mais que desejemos esquecer o passado, é algo impraticável e ilógico… Pois se esquecermos do nosso próprio passado, esqueceremos  a nós mesmos.

Notas

Com algumas notas tocadas sob algumas  lágrimas,
um discreto sorriso surge em meu rosto,
olhando os corpos dançantes que caem dos céus,
a fazer um singelo esboço.

As coisas estão a fazer mais sentido,
acontece… Quando estamos assim,
longe de qualquer lugar,
caminhando a sós em esculturas de marfim.

Olhando debaixo das camas,
os monstros não aparecem mais,
escondidos apreciam,
o sorriso do jovem  que decidiu não temer… Nunca mais.

Distante…

Distante…
Dos mares…
Das flores,
dos males.

Distante…
Distante de mim,
Distante do ‘’Não’’
Distante do ‘’Sim’’

Distante…
Em um vasto local,
onde brilham os fatos,
e se ofusca o mal.

Um grão de areia no espaço…
Sozinho… Perdido,
Não sei o que quero,
Mas sei que consigo.

Consigo contigo,
ó grande amigo,
só brinque comigo,
até isso acabar.

Já não me importa…
se virá numa oportuna tardia,
o tempo é meu apóstolo,
e a luz há de brilhar ao fim do dia.

Árvores

As folhas me observam,
flutuando nesse tecido eterno,
fino,
quase transparente,
que facilmente se rasgaria,
esse tecido… Construído de paz.

Mas ele se tornara eterno,
pelas folhas que vagam sozinhas nos ventos,
pelos galhos dançantes,
pelas pequenas curvas de suas raízes.

Infinito como o vento,
esse tecido me envolve,
pois agora sou dono do meu destino.

E assim como os galhos,
eu danço sobre as probabilidades,
vagando sozinho nos acasos,
pelas pequenas curvas da vida.

Uma caminhada

Acabei de chegar em casa… Estava inquieto por causa do calor e um tanto quanto entediado, resolvi fazer uma pequena caminhada.
 Enquanto andava, uma música tocava em minha cabeça, ecoando em todo o meu corpo de modo em que todos os sons, dos carros, das pessoas, do mundo, simplesmente desaparecessem… Desconectado do mundo eu vagava tranquilamente, sozinho em um mundo inexistente, é engraçado, quanto mais eu me desconecto do mundo, mais eu quero me conectar.
 Até que por alguns segundos, minha mente se fez presente, no momento em que me encontrei  no meio das ruas porém em um silêncio absoluto, sem carros, motos ou pedestres… Fiquei parado por alguns segundos… Comecei a andar, logo o único som que se fazia presente eram os sons emitidos pelos meus pés… E eu senti… Meus passos ecoando pelo mundo todo, de uma simples calçada até as mais formosas nuvens no céu, agora meus passos eram a nova melodia, eu era meu próprio ritmo, mentor de toda a obra, o maestro da minha própria orquestra.
  Enquanto meus passos sonorizavam aquele momento, pude ouvir em um tom mais baixo os passos de outra pessoa vindo até mim…lentamente . Eu parei, esperei alguns segundos e olhei para trás, lá estava ela, caminhando em minha direção, baixinha, de cabelos ruivos cacheados, sua pele… Branca como a lua, seus olhos, verdes, vibrantes, expressivos…
  Quando nossos olhos se encontraram coloquei um sorriso em meu rosto, ela me olhou sem reação por alguns segundos mas devolveu meu gesto com um belo sorriso. Reparei um livro em seus braços ‘’O processo’’ de Franz Kafka. Segundos após me ultrapassar, lancei:
  – Franz Kafka?
 Ela parou, virou-se para mim e disse:
 – Claro!
Com um sorriso simpático… Que a entregava um tanto quanto envergonhada e insegura. Reagindo da mesma maneira, disse:
 – Já terminou de ler?
 – Acho que vou terminar hoje.
 – Bem, parece que alguém irá ter uma bela crise existencial hoje.
 Ela sorriu, começamos a conversar sobre Kafka e suas percepções sobre a sociedade e a vida, a sua ironia em enxergar tudo de maneira ilógica e lógica ao mesmo tempo, depois contei a ela o que eu estava pensando antes de escutar os passos da mesma e então começamos a refletir juntos.
 Quando percebi  já havia se passado uma hora e meia, disse que estava atrasado, que tinha de partir logo… Ela assentiu, lhe dei um beijo no rosto, viramos as costas um para o outro e saímos caminhando, alguns passos depois, pensei nos motivos que tinha para não voltar e pegar seu número, fiquei parado estático, olhei para trás e ela fazia o mesmo, olhando para mim, pensando as mesmas coisas que eu. Imaginei por um momento o quão mágico estava sendo essa noite, o dia em que tive uma conversa profunda com uma desconhecida, acho que queria manter essa história assim e ela provavelmente pensou na mesma coisa. Acenei e sorri… Virei a esquina e comecei a escutar meus passos…

Pensamentos

Pensamentos, pensamentos esdrúxulos e procedentes,
pensamentos tais possam vir a ser eloquentes,
Pensar… Drapejar sobre sentimentos.

Pobre raiva,
cintila na penumbra em meu interior,
se faz cura, se faz antídoto,
da minha não tão frequente dor.

Pobre calma,
é luz do meu corpo frágil,
se faz desalento em meu corpo,
que outrora fora tão ágil.

Pobre vida,
escuridão do meu corpo e meu lado mais sombrio…
se faz gota d’água,
percorrendo eternamente… Um estame esguio.