Acabei de chegar em casa… Estava inquieto por causa do calor e um tanto quanto entediado, resolvi fazer uma pequena caminhada.
Enquanto andava, uma música tocava em minha cabeça, ecoando em todo o meu corpo de modo em que todos os sons, dos carros, das pessoas, do mundo, simplesmente desaparecessem… Desconectado do mundo eu vagava tranquilamente, sozinho em um mundo inexistente, é engraçado, quanto mais eu me desconecto do mundo, mais eu quero me conectar.
Até que por alguns segundos, minha mente se fez presente, no momento em que me encontrei no meio das ruas porém em um silêncio absoluto, sem carros, motos ou pedestres… Fiquei parado por alguns segundos… Comecei a andar, logo o único som que se fazia presente eram os sons emitidos pelos meus pés… E eu senti… Meus passos ecoando pelo mundo todo, de uma simples calçada até as mais formosas nuvens no céu, agora meus passos eram a nova melodia, eu era meu próprio ritmo, mentor de toda a obra, o maestro da minha própria orquestra.
Enquanto meus passos sonorizavam aquele momento, pude ouvir em um tom mais baixo os passos de outra pessoa vindo até mim…lentamente . Eu parei, esperei alguns segundos e olhei para trás, lá estava ela, caminhando em minha direção, baixinha, de cabelos ruivos cacheados, sua pele… Branca como a lua, seus olhos, verdes, vibrantes, expressivos…
Quando nossos olhos se encontraram coloquei um sorriso em meu rosto, ela me olhou sem reação por alguns segundos mas devolveu meu gesto com um belo sorriso. Reparei um livro em seus braços ‘’O processo’’ de Franz Kafka. Segundos após me ultrapassar, lancei:
– Franz Kafka?
Ela parou, virou-se para mim e disse:
– Claro!
Com um sorriso simpático… Que a entregava um tanto quanto envergonhada e insegura. Reagindo da mesma maneira, disse:
– Já terminou de ler?
– Acho que vou terminar hoje.
– Bem, parece que alguém irá ter uma bela crise existencial hoje.
Ela sorriu, começamos a conversar sobre Kafka e suas percepções sobre a sociedade e a vida, a sua ironia em enxergar tudo de maneira ilógica e lógica ao mesmo tempo, depois contei a ela o que eu estava pensando antes de escutar os passos da mesma e então começamos a refletir juntos.
Quando percebi já havia se passado uma hora e meia, disse que estava atrasado, que tinha de partir logo… Ela assentiu, lhe dei um beijo no rosto, viramos as costas um para o outro e saímos caminhando, alguns passos depois, pensei nos motivos que tinha para não voltar e pegar seu número, fiquei parado estático, olhei para trás e ela fazia o mesmo, olhando para mim, pensando as mesmas coisas que eu. Imaginei por um momento o quão mágico estava sendo essa noite, o dia em que tive uma conversa profunda com uma desconhecida, acho que queria manter essa história assim e ela provavelmente pensou na mesma coisa. Acenei e sorri… Virei a esquina e comecei a escutar meus passos…