O achocolatado

Eu fiz isso novamente, tentei me matar hoje. Duas lâminas, um banheiro vazio, literalmente, mesmo comigo em seu interior, as luzes apagadas, o sol em meu rosto, em meu corpo… Me contornava, um contraste digno de uma fotografia, ou uma cena trágica de um filme qualquer.
Direcionei a lâmina até meu pulso esquerdo, não o faria no direito, gastei 140 reais em minha tatuagem, que desperdício seria… Se bem que eu iria morrer… Qual é a relatividade dos valores entre vida e morte? Não sei. Engraçado, não fiz nenhum corte, comecei a me lembrar dos bons momentos da minha vida, mesmo que poucos, foram o suficiente para que eu me perdesse dentro de mim, para que eu esquecesse dessa ideia maluca.
Abri a porta  do banheiro, caminhei até a cozinha, preparei um copo de leite com Toddy, eu nunca acerto a quantidade certa de achocolatado , sempre acabo em um dos extremos, muito chocolate ou pouco chocolate, de qualquer maneira eu já não sinto gosto de nada, tudo parece transparente, opaco, vazio…  É engraçado como um copo de leite me resume… Nunca na medida certa, sempre nos extremos, considerando o chocolate a felicidade, tristeza extrema ou felicidade extrema… Um chocólatra escreveria algo parecido… Não, eu não sou um chocólatra.
Dei o último gole em meu leite mal feito, fiquei observando o copo vazio,  com pequenos grãos de chocolate remanescentes, exatamente como eu, pequenas chamas de felicidade e esperança, esperança de que o mundo não seja esse imenso vazio, que não seja essa esfera gigante formada por superficialidade e hipocrisia, flutuando no universo… Esperança de que o vazio do mundo não seja equivalente ao vazio que sinto… Esperança… Esperança perdida nesta tarde por alguns instantes.
Fiquei ali sentado, por longos minutos que pareceram horas… Chorei.

Mas quem sabe alguma coisa desse mundo?

Caminhava na noite escura pela cidade, a noite tingia as ruas com as mesmas cores desbotadas e cantava para mim com a mesma melodia de sempre, como qualquer noite solitária nas ruas de São Carlos.
Foi quando um dos postes se apagou, a vida e seus sinais… Então nessa penumbra que se formou em poucos minutos, perdido em minha linha de raciocínio paro de pensar e ouço passos, com os olhos sobre os ombros esguios vejo uma silhueta em contraste com a única luz restante da rua, veio até mim… Vi suas mãos tremulas no ímpeto de sacar o que seria uma arma de fogo qualquer, estava inseguro… Tirou-a  e a encostou em mim, disse com uma voz grave:
– Ai, cala a boca e me passa tudo, se não leva bala!
– Eu não tenho nada. –Disse em um tom surpreendentemente calmo.
– Para com essa porra cuzão! Passa logo o bagulho! –Em um tom mais alto, agora segurando com a outra mão minha blusa e encostando-me à parede. -Tá querendo morrer filho da puta?
“Que ironia ‘’ pensei. Eu realmente não carregava nada comigo além de um caderno de anotações e uma caneta… Foi quando eu enlouqueci:
– Atira então filho da puta! Vai logo! Acaba com isso!
– Tá achando que eu sou palhaço cuzão?!
– Cala a boca e atira! Você não é homem o suficiente pra me matar não? Tá esperando o que? Vai logo caralho!
– Não brinca comigo não seu merda!-Disse enquanto levantava a arma para coloca-la de encontro com a minha testa.- Pra meter pipoco é dois segundo maluco!
Enchi meu peito, fechei minhas mãos com a maior força que podia, força que nem mesmo eu tinha conhecimento da existência, olhei em seus olhos e gritei com toda a minha voz:
– Atira, Porra!
Sua expressão intimidadora fora embora, substituída por uma expressão de espanto, olhos arregalados, boca um pouco aberta, corpo trêmulo… Empurrou-me de volta para a parede com muita força, desapareceu na noite como um gato espantado.
A luz do poste se acende novamente, a frenesia, adrenalina, seja lá o que for, vibrava em minha cabeça, em meu corpo, em alguns minutos se foi, e a velha noite solitária de caminhadas nas ruas tomavam forma novamente. O que ele pensou? O que ele sentiu? Medo? Se identificou comigo de alguma maneira e teve piedade da minha pobre alma? Talvez.. Não sei bem para ser exato, mas quem sabe alguma coisa desse mundo? Quem sabe alguma coisa sobre si mesmo?
Voltei para minha casa, calmo, por mais incrível que pareça, passei por meus pais, cumprimentei-os, me dirigi até meu pequeno quarto, deitei-me em minha velha cama, adormeci.

Sobre hoje

Sonhei com o ultimo dia de aula… Nunca acordei tão suado na minha vida, minha cama molhada, as mãos tremulas, os olhos pesados, as gotas de suor caindo do meu cabelo para o meu rosto, para nos minutos seguintes poderem se misturar com as lágrimas que logo viriam.
Lembrei-me do meu primeiro dia de aula até o último, meu peito se aqueceu e meu coração começou a bater mais rápido, eu precisava de um abraço… Tentei me levantar, mas assim que me impulsionei para dar os primeiros passos, as minhas pernas se provaram tão frágeis quanto todo o resto de mim… Cai.
Fiquei no chão por uns trinta minutos, perdido, como se estivesse morto, apenas respirando e olhando para um ponto fixo, os meus livros, os meus cadernos, os meus desenhos… Minhas memórias… Apaguei.
Quando acordei o chão estava mais molhado do que a cama, consegui me levantar, tomei um calmante, tomei um banho, coloquei o moletom da classe, eu estava com frio, mesmo depois de um banho quente, talvez eu esteja morto, sem fluxo sanguíneo, tanto faz… Fiquei por mais trinta minutos me olhando no espelho, pensando se um dia eu achei que estaria fazendo exatamente isso, pensando se mais tarde eu não iria sair de casa e ir para a escola… Não, eu não iria.
Tirei o moletom vim até aqui no quarto escrever esse texto, estou chorando agora, pensando o que minha mãe vai me dizer quando achar o teclado todo molhado, não sei o que é pior, dizer que são minhas lágrimas ou o meu suor.

Para a morte

​As lágrimas retornaram,

Os valores… Eles despencaram,

As manchas deixadas pelo sangue,

Continuam marcando o mundo,

E minhas vestes,

Assim como meu rosto,


Os ventos mutilam meu rosto,

O mundo grita,

Clama por mim,

Mas não serei digno,

Nem assinarei seu contrato,

Pois eu sou o homem,

Aquele que viveu o mundo,


As cortinas estão dançando,

Sobre meu corpo frio,

Elas riem,

Se fazem comediantes,

Zombam da minha breve existência,

 

Lembrai-vos,

as montanhas vermelhas estão a caminho,

O rio melancólico se aproxima,

Varrendo a culpa,

A vaidade,

A ausência de resposta…


Escutai-vos,

Os uivos da dor,

Logo,

O silêncio permanecerá,

Como meu corpo na terra,

Assim como meu lixo…


Observai-vos,

A chuva,

É melhor se precaver,

A fumaça negra chega levemente,

Ela tomará conta do teu corpo,

Como tomou conta do meu.


Mas o vinho,

Permaneceu,

Entre as cicatrizes,

Os cortes,

E a tristeza,

Que abomina os mais intelectos,

Se fazendo amiga.


Gritai-vos,

Em nome dos homens,

Pois Deus,

Abandonou essas terras,

Ele sente ódio do homem.


Amai-vos,

Pela morte que vaga junto a mim,

Pela esperança,

Pela fé,

Em que o mundo não acabe em palavras manchadas pela tristeza.


A vida é uma centelha esguia,

Que mal cintila aos olhos humanos,

Dos quais projetaram o fogo,

Ao se queimarem de ilusão.


Por meio desta,

Uma última carícia,

De suas mãos acolhedoras,

Apenas me leve…

Eu suplico.

Bom dia

 Às vezes acordamos e temos a sensação de que não iremos ter um bom dia, que vamos nos ocupar com coisas inúteis, seguir a mesma rotina cansativa… Mas tudo isso é evitável  a partir do momento em que descobrimos que temos o poder de brincar com os destinos, um dia ruim só é ruim a partir do momento em que você se entrega a ele.
 Eu costumava dizer isso á todos… Aproveitem o dia… Mude seu futuro com o que você pode no presente… Mas existem dias em que simplesmente nos entregamos pelo fato de ser cansativo demais tentar faze-lo incrível. É engraçado, eu vivo me contradizendo…
  Me contradizer é a única coisa da qual eu consigo amar e odiar ao mesmo tempo, quem não odiaria ver que tudo aquilo que você viveu ou falou não fazia o menor sentido?
 Na verdade nada faz sentido, apenas buscamos colocar um sentido nas coisas para nos confortarmos, isso é maravilhoso… Se contradizer, ver o quão nós humanos somos seres mutáveis, imprevisíveis. Eu realmente não queria afirmar algo nesse texto, pois tenho certeza que daqui alguns anos ele simplesmente perderá todo o sentido, provavelmente irei dizer:
 ‘’ Dias ruins existem, ninguém pode fazer nada…
não somos donos dos nossos destinos,
não somos nós que nos entregamos ao dia
é o dia que se entrega a nós’’
  Engraçado pensar em afirmar algo… Dizer ‘’essa é a verdade’’ quer ouvir a verdade?
As pessoas nascem
As pessoas morrem
As pessoas sorriem
As pessoas choram
As pessoas tem aquilo que podem ter, elas fazem as coisas porque querem… Como ter um dia ruim… ‘’ Estou muito cansado para tentar fazer esse dia ser espetacular, eu quero somente que esse dia passe’’
   Aproveite o dia, quantos dias espetaculares você está deixando de viver por conta própria?
Quantos dias você já viveu? As pessoas morrem… Então viva.
  E se essa é a verdade eu não posso afirmar, pois posso me contradizer, na verdade eu já me contradisse nesse mesmo texto, dizendo que num futuro distante esse texto perderá todo o sentido… Mas desde quando existe algum sentido?