Mas quem sabe alguma coisa desse mundo?

Caminhava na noite escura pela cidade, a noite tingia as ruas com as mesmas cores desbotadas e cantava para mim com a mesma melodia de sempre, como qualquer noite solitária nas ruas de São Carlos.
Foi quando um dos postes se apagou, a vida e seus sinais… Então nessa penumbra que se formou em poucos minutos, perdido em minha linha de raciocínio paro de pensar e ouço passos, com os olhos sobre os ombros esguios vejo uma silhueta em contraste com a única luz restante da rua, veio até mim… Vi suas mãos tremulas no ímpeto de sacar o que seria uma arma de fogo qualquer, estava inseguro… Tirou-a  e a encostou em mim, disse com uma voz grave:
– Ai, cala a boca e me passa tudo, se não leva bala!
– Eu não tenho nada. –Disse em um tom surpreendentemente calmo.
– Para com essa porra cuzão! Passa logo o bagulho! –Em um tom mais alto, agora segurando com a outra mão minha blusa e encostando-me à parede. -Tá querendo morrer filho da puta?
“Que ironia ‘’ pensei. Eu realmente não carregava nada comigo além de um caderno de anotações e uma caneta… Foi quando eu enlouqueci:
– Atira então filho da puta! Vai logo! Acaba com isso!
– Tá achando que eu sou palhaço cuzão?!
– Cala a boca e atira! Você não é homem o suficiente pra me matar não? Tá esperando o que? Vai logo caralho!
– Não brinca comigo não seu merda!-Disse enquanto levantava a arma para coloca-la de encontro com a minha testa.- Pra meter pipoco é dois segundo maluco!
Enchi meu peito, fechei minhas mãos com a maior força que podia, força que nem mesmo eu tinha conhecimento da existência, olhei em seus olhos e gritei com toda a minha voz:
– Atira, Porra!
Sua expressão intimidadora fora embora, substituída por uma expressão de espanto, olhos arregalados, boca um pouco aberta, corpo trêmulo… Empurrou-me de volta para a parede com muita força, desapareceu na noite como um gato espantado.
A luz do poste se acende novamente, a frenesia, adrenalina, seja lá o que for, vibrava em minha cabeça, em meu corpo, em alguns minutos se foi, e a velha noite solitária de caminhadas nas ruas tomavam forma novamente. O que ele pensou? O que ele sentiu? Medo? Se identificou comigo de alguma maneira e teve piedade da minha pobre alma? Talvez.. Não sei bem para ser exato, mas quem sabe alguma coisa desse mundo? Quem sabe alguma coisa sobre si mesmo?
Voltei para minha casa, calmo, por mais incrível que pareça, passei por meus pais, cumprimentei-os, me dirigi até meu pequeno quarto, deitei-me em minha velha cama, adormeci.